Correr por uma selva, evitando inimigos e perigos como poços enquanto
busca tesouros. A mecânica básica de "Pitfall" ainda é vista, com as
devidas adaptações que a evolução tecnológica permitiu, em uma série de
games. E isso vai desde a ação em plataformas de um "Mario" clássico até
mesmo superproduções do nível de "Uncharted" e "Tomb Raider".
Se o legado do game e seu número de vendas - foram 4,5 milhões de
unidades vendidas, o que fez dele o game mais vendido de 1982 e o
segundo do console, atrás apenas de "Pac-Man" - são enormes, o mesmo não
é possível dizer do seu tamanho em si. Ele usava o limite de 4KB dos
cartuchos do Atari 2600. Para se ter uma ideia, um arquivo de texto
produzido no Bloco de Notas do Windows facilmente extrapola esse tamanho
- este aqui, que você está lendo, já supera e muito esse tamanho.
Futuramente, alguns desenvolvedores conseguiram "dar um jeitinho" e
produzir cartuchos maiores, mas ainda assim os casos são raros.
O responsável pela façanha é, hoje, um senhor de 64 anos chamado
David Crane. "Acho que o maior legado é, sendo ele o primeiro game de
plataforma da história ou não, ele acabou criando a noção de mundo nos
videogames. Cada tela que você passa, o cenário muda. Não era mais uma
única tela, era um mundo", contou em entrevista exclusiva ao
UOL Jogos durante o Brasil Game Show.
Se
a ideia de criar "um mundo" se mostrou genial, o trabalho necessário
para colocar isso em prática acabou sendo um desafio e tanto para Crane.
Tirando leite de pedra
A limitação de espaço
do cartucho e dos 128 bytes da memória RAM do Atari acabou influenciando
diversas características de "Pitfall". Um exemplo citado por Crane é a
ausência de um final, propriamente, para o jogo. "Se eu colocasse um
final, teria menos espaço de memória para programar o jogo em si e ele
acabaria não sendo tão bom". Ele também conta que esse é um dos motivos
pelos quais o game foi desenvolvido em "círculo", com a última tela
sendo ligada à primeira. Ao todo, são 255 telas.
A sensação de
conquista do jogador acabava vindo por outras formas. "A meta do jogo
não era chegar a um final, mas coletar o máximo de tesouros possível no
limite de 20 minutos". E havia um truque para isso. "Se você percorresse
todas elas pela superfície, jamais conseguiria chegar à última nesse
tempo. Já indo pela parte inferior, onde os escorpiões estavam, cada
tela atravessada correspondia a três da superfície. Para pegar os 32
tesouros era preciso memorizar onde cada um deles estava e usar esses
atalhos de maneira inteligente", explica.
Era uma mecânica básica
complexa para a época e colocar isso em prática demandou um
contorcionismo da parte de Crane. "Eu criei um algoritmo envolvendo
contadores polinomiais, para gerar cada tela de maneira quase aleatória.
Os números gerados determinavam elementos como o cenário de fundo ou os
tipos de inimigos. Eu não criei o mundo de 'Pitfall', foram os números.
Eu apenas escolhi onde o jogador começava, em uma tela sem inimigos ou
obstáculos, e garanti que a sequência seria sempre a mesma. A ideia é
que ninguém precisasse ler um manual para jogar o game e aprendesse a
fazer isso de maneira natural".
É um processo que lembra o da
programação procedural, porém com uma ordem pré-definida. E ao gerar as
telas dessa maneira mais simples, Crane conseguiu utilizar o espaço
restante tanto do cartucho quanto da RAM do aparelho para criar os
demais aspectos do game, como a movimentação realista - para a época -
de Harry.
Crane também relata que há uma forma de trapacear no jogo. E ela não
envolve usar nenhum código, mas sim explorar o método usado para a
concepção do game. "A parte engraçada é que eu criei o jogo tendo em
mente que os jogadores deveriam correr para a direita. Assim que o game
foi vendido, porém, alguém teve a ideia de começar indo para a esquerda e
descobriu que era mais fácil jogar assim, já que ao morrer, você
nasceria na esquerda da tela. Ou seja, pronto para avançar para a
próxima parte".
Passado e futuro
Crane destaca que fazer um
game divertido é mais complicado do que criar um game complexo. "Eu
estava em um evento e encontrei o criador de 'God of War' [David Jaffe].
Ele disse que conseguia criar algo enorme como 'God of War', mas que
tentou fazer o que nós fazíamos na época, pegar uma tela e criar algo
divertido, e achou bem complicado. E essa é uma beleza dos jogos indie.
Eles têm liberdade para criar qualquer coisa"
Além de "Pitfall", Crane também é um dos fundadores da Activision,
uma das maiores publishers da atualidade. Perguntado como ele vê a
empresa hoje - que até pelo tamanho é tida, muitas vezes, como uma
"vilã" no mundo dos games, ele disse que pouco restou da empresa que ele
criou. "Existem duas Activision: a que eu criei, se tornou enorme e
quase sumiu após o 'crash' dos games de 1983 e a que veio depois e foi
bem gerida a ponto de chegar onde está. É um nome associado a games de
qualidade".
Crane também diz que o fato da Activision ter essa
fama de empresa que coloca o lucro acima de tudo é consequência do
tamanho dos games que ela produz. "Hoje, é uma empresa que pode ter uma
má reputação por, sei lá, tentar fazer dinheiro em todas as
oportunidades, mas é preciso pensar que, se os jogadores gostam de games
de alto orçamento, somente empresas que sejam lucrativas é que podem
fazê-los. Se você gosta de games do tipo, a única coisa que você pode
fazer é continuar comprando e ajudando ela a ter lucro. Quem sabe com
esse dinheiro não surge uma nova franquia que você irá jogar pelos
próximos dez anos? É assim que as coisas funcionam".
Via: UOL Jogos